Textos e fotos de Jorge Lima Alves

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Seychelles à vol d'oiseau

A chegada às Seychelles foi absolutamente espectacular. Nascia o dia e o céu estava pintalgado de cor de rosa, com nuvens sem fim espalhadas sobre o mar. Toneladas de algodão procuravam (sem grande sucesso) esconder as ilhas, algumas minúsculas, como pedaços de terra que tivessem caído do céu ao acaso. Olhando pela estreita janela do avião, pude verificar como o Criador foi generoso no dia em que se lembrou de criar esta paisagem. Era um espectáculo lindo e o avião deslizava pelo ar como num sonho, devagar, muito devagar. Podia ver a pele do mar toda eriçada de prazer e sentia-me como se tivesse entrado noutra dimensão (num mundo ainda mais belo do que aquele que sonhei encontrar). Lembro-me de ter pensado como seria bom ficar ali, a pairar no ar, à janela no avião, a deslizar até ao fim dos tempos entre céu e mar, nas nuvens o tempo todo. Mas quando me virei para a minha companheira, para lhe dizer isso mesmo, senti o avião estremecer e gemer e, logo a seguir, senti o coice do trem de aterragem a abrir, enquanto o piloto avisava: «Cabin crew, prepare for landing». E aí fomos nós, a toda a velocidade, ao encontro da pista de cimento, embora pela janela a impressão que tínhamos era a de que iríamos aterrar no mar. Quando, finalmente, passámos a alfândega e chegámos à rua, chovia a potes. Mais tarde, no hotel, tomei as primeiras notas: “Uma ilha aqui, outra ali, uma montanha luxuriante e nuvens quanto baste. O paraíso afinal é pouca coisa. A beleza é essencialmente uma questão de doseamento. Nem mais, nem menos”. “Como dizia Rimbaud, a eternidade é feita de sol e mar. Não era bem isto que ele dizia, mas mesmo assim: se a eternidade existe é esta história de amor entre o sol e o mar”. “Aqui estou eu, portanto, feliz por me sentir feliz, tão contente que só consigo escrever disparates”. Fernando Pessoa dizia que todas as cartas de amor são ridículas. Pois bem, também os textos de viagem têm o direito de o ser, declaro eu. No próprio dia em que cheguei, verifiquei que em Mahé, onde quer que vás, a montanha está presente, coberta por uma floresta muito densa, variada e selvagem. Parece um ser vivo. Um imenso monstro verde em cujo corpo irrompem constantemente milhares de novas línguas verdes à procura do sol. Sequiosas todas. De resto, choveu copiosamente nos quatro dias que lá estivemos. Rapidamente percebi que toda a gente nas Seychelles fala três línguas: francês, inglês e crioulo. Para além de simpáticas e bem educadas, as pessoas são bonitas e elegantes. Sobretudo as raparigas novas e as velhotas, que se vestem com vestidos floridos e chapéus de outros tempos. Talvez por causa da pesca ou do trabalho ao ar livre, os estragos do tempo são mais visíveis nos homens. A ilha tem um excelente sistema de transportes públicos. Há autocarros com fartura e chegam a todo o lado. Para mais são baratíssimos. Para dar a volta à ilha, gastámos apenas 12 rupias (cerca de dois euros). As estradas, no entanto, são bastante perigosas. Não porque as pessoas conduzam mal e depressa como em Portugal, mas porque as estradas são estreitas e sinuosas, rodeadas de floresta que retiram visibilidade. Para mais, não há bermas nem passeios, pelo que há sempre a possibilidade de atropelar alguém. Durante os quatro dias da nossa permanência em Mahé, o sol e a chuva pareciam envolvidos numa competição sem quartel. Vinha a chuva e molhava-nos, vinha o sol e secava-nos, até que a chuva voltava de novo e assim sucessivamente. Pouco intimidados com isso, fomos andar de barco, para ver os peixes no fundo do mar (graças a um casco transparente) e percorrer as praias lindas de morrer da Ilha do Veado (Cerf Island). A praia estava infestada de pequenos caranguejos que fugiam de nós – a uma velocidade incrível – para dentro de buracos que escavam na areia. Os caranguejos das Seychelles são bichos espantosos: os que vivem na areia são amarelos, os que vivem no meio dos limos são verdes e os que encontramos nas rochas confundem-se também com elas. Os rastos que deixam na areia molhada parecem obras de arte, formando desenhos complexos que fotografei exaustivamente, fascinado como estava por tudo aquilo. Na Ilha do Veado, as praias eram (são) magníficas, mas tinham demasiadas algas, rochas e seres vivos. Ali aprendi que o mar azul (as brochuras turísticas dizem que aqui o mar é cor de safira) também pode ser verde, prateado, ou mesmo não ter cor. Nas Seychelles, o mar é tão transparente que parece saído de uma torneira. O ultimo dia chegou num instante. Quatro dias passam mais depressa do que um só, por vezes. Como para despedida, nessa manhã, alguém espalhou flores junto à piscina do hotel onde nos encontrávamos. Quando saímos do quarto, a minha mulher e eu, deparámos com um pássaro lindo: amarelo, vermelho, azul... o seu pequeno corpo era um festival de cores. De resto, nas Seychelles podemos ver, por todo o lado, peixes e pássaros espantosos. Lembro-me, por exemplo, de ter visto, uma manhã, um cardume inteiro de peixes a saltar em uníssono sobre o mar, como se tivessem ensaiado aquela coreografia centenas de vezes. Ao que se diz, a primeira menção escrita referindo a existência destas ilhas é em mapas portugueses que lhes chamam «os três irmãos» ou «as três irmãs». Mas o primeiro a escrever sobre as Seychelles foi o marinheiro britânico John Jordan, que manteve um diário de viagem em 1609. Nesse texto, já as ilhas aparecem referidas como paradisíacas. Contudo, quem mais aproveitou desta beleza selvagem parece terem sido os piratas, esses «diabos dos mares» que não perdoavam a quem passava por ali. O mais famoso desses flibusteiros foi Olivier Levasseur, mais conhecido como «La Buse». A primeira descrição pormenorizada das Seychelles foi feita por um empregado da Companhia das Índias, em meados do século XVIII. Mas foram os franceses os primeiros a reivindicar a propriedade das ilhas, graças a um tal comandante Picault e ao general Mahé de La Bourdonnais. Picault veio tomar posse das terras em 1742, mais concretamente no dia 21 de Novembro. Desembarcou na ilha principal e chamou-a «Ille d’Abondance». Ao porto, chamou St. Lazare, nome que ainda hoje conserva. As Seychelles ganharam o seu nome actual em homenagem à família Hérault de Séchelles. O domínio francês sobre estas ilhas manteve-se até 1811, ano em que os ingleses as tomaram pela força (um ano antes já tinham “roubado” aos franceses a Reunião e as Maurícias). As Seychelles proclamaram a independência em 1976. Este país insular, constituído por 115 ilhas distribuídas por vários arquipélagos, é hoje o país de África com o maior PIB per capita. Apesar disso, tanto quanto pude testemunhar, as pessoas mantém um nível de vida relativamente modesto.