Textos e fotos de Jorge Lima Alves

domingo, 22 de fevereiro de 2009

San Miguel de Allende

Um americano que conheci na Tailândia confidenciou-me que uma das razões que o levava a viajar pelo mundo era o desejo de encontrar um sítio onde lhe apetecesse passar o resto da sua vida. À beira da reforma, o senhor já visitara grande parte da Ásia e da Europa e planeava, no ano seguinte, ir à Austrália. Se hoje voltasse a encontrá-lo, dir-lhe-ia que, provavelmente, não precisava de ir tão longe para encontrar o local perfeito para se fixar. Ali mesmo, na América do Norte, descobri recentemente no México uma pequena cidade onde inúmeros compatriotas seus vivem tranquilamente dos rendimentos. Refiro-me a San Miguel de Allende, que descobri quase por acaso numa viagem de três semanas pelo país de Carlos Fuentes e Chavela Vargas, a meio caminho entre Queretaro e Guanajuato, outras duas cidades cuja visita recomendo vivamente.

Provenientes de Queretaro, chegámos a San Miguel de Allende numa luminosa manhã de Novembro. O apinhado minibus que nos trouxe do terminal de autocarros até ao centro da cidade, por ruelas acidentadas, deixou-nos a poucos metros do hotel que escolhemos no «Guide du Routard». O Parador San Sebastián correspondeu totalmente à descrição do guia: «Muito bom hotel em estilo colonial com um bonito pátio interior que alegram muitas plantas, flores e alguns canários». O quarto era amplo, recentemente renovado e com uma boa casa de banho. E muito barato. Uma das vantagens de viajar pelo México são os preços, extremamente acessíveis (para nós europeus). O minibus, por exemplo, custou cerca de 30 cêntimos e pelo nosso quarto muito confortável não pagámos mais do que 20 euros.



Já eram quase duas da tarde e estava na altura de ir à procura do El Tomato, restaurante que alguém nos aconselhara referindo tratar-se de «um dos melhores restaurantes vegetarianos do mundo». Não era grande exagero: o acolhimento foi amável e o serviço copioso e de qualidade. Todos os produtos eram fresquíssimos e bem confecionados. Um regalo!

Enquanto esperávamos pela comida, um casal que já estava na sobremesa, vendo as nossas máquinas fotográficas em cima da mesa, meteu conversa connosco. Com uma pronúncia que denunciava a sua origem, a senhora perguntou-nos: «Vieram para o workshop de fotografia?». De seguida, sem que precisássemos de o perguntar, explicou-nos que eram de Calgary no Canadá e que vinham todos os anos passar férias em San Miguel onde, aliás, já tinham comprado uma casa que ainda estavam a remodelar e decorar.

Fundada em 1542, por um monge franciscano, numa região de serra árida onde antes apenas havia pastores, San Miguel de Allende fica no «coração do México» como acentua a edilidade local, que faz igualmente questão de sublinhar que a cidade é considerada património histórico do país.

Com somente 120 mil habitantes e situada a 1850 metros de altitude, San Miguel de Allende não tem grandes monumentos, nem museus a propor ao forasteiro. O seu encanto provém simplesmente da atraente harmonia das suas ruas estreitas e empedradas, com os seus palacetes elegantes e frondosos pátios, que lhe dão um charme único e irresistível. Foram, sem dúvida, estas características, aliadas a um clima privilegiado e à afabilidade dos seus habitantes (para já não falar da vida barata), que fizeram com que se fixassem aqui, nos anos 40 do século passado, os primeiros «ianques». Na maioria, eram artistas plásticos que vieram a San Miguel para seguir os cursos de arte mural ministrados pelo grande pintor Siqueiros, amigo e rival de Diego Rivera. Esses pioneiros atraíram seguidores e hoje vivem ali inúmeros estrangeiros que estão a recuperar as casas mais antigas (como o casal canadiano que conhecemos no El Tomato), não apenas para viver mas também para abrir restaurantes de todo o tipo, hóteis de charme, lojas de artesanato, bares atraentes e galerias de arte que poderiam perfeitamente situar-se em Nova Iorque, por exemplo.



Como na maioria das cidades mexicanas, o centro de San Miguel de Allende é o Zócalo, a praça principal que aqui é arborizada e ajardinada. Foi evidentemente por aí que começámos a nossa descoberta da cidade. À direita e à esquerda estão arcadas que abrigam cafés e restaurantes, nos topos encontram-se o museu regional e a igreja. O conjunto é notável e irradia um charme absolutamente irresistível que atrai a toda a hora o mais diverso tipo de pessoas, dos turistas aos vendedores ambulantes, passando por crianças saídas da escola e reformados sem mais nada para fazer senão observar quem aparece. Ao fim do dia, o espectáculo ganha ainda mais animação: começam a chegar os mariachis e os turistas acorrem a ouvi-los e fotografá-los.



Do Zócalo partem ruelas em todas as direcções. Vale a pena percorrê-las uma a uma para apreciar a arquitectura colonial e gozar a atmosfera serena em que banha toda a cidade. Aqui estamos longe da guerra dos cartéis que todos os dias ensanguentam o México. Longe do bulício infernal da capital do país, considerada uma das maiores e mais poluídas cidades do mundo. Tudo aqui é um regalo para os olhos e para o espírito e nem os polícias parecem polícias, mas sim figurantes de algum filme do Zorro, com as suas fardas vistosas e os seus garbosos cavalos.



De todos os monumentos da cidade, o mais importante e incontornável é a «Parroquia», a já citada Igreja de San Miguel Arcángel em face do Zócalo, concebida em 1880 por um pedreiro local chamado Zeferino Gutiérrez, cujas torres cor de rosa lembram vagamente a Sagrada Família de Barcelona. O interior da igreja não é particularmente notável (embora no México todas as igrejas sejam bonitas), mas a devoção das pessoas que a frequentam é verdadeiramente comovente.



Gostámos também de visitar o Museu histórico, instalado na casa natal de Ignacio Allende, o mentor, juntamente com Hidalgo, do movimento independentista mexicano. O Museu conta a história da região desde a época préhispânica até ao vice-reinado espanhol, enfatizando como não podia deixar de ser a fase da independência. Bem organizado, propõe paineis explicativos e mapas didáticos.

Igualmente obrigatória é uma passagem pela Escola de Belas Artes que abriga um importante Centro Cultural. O edifício em tons ocre é o antigo Convento de la Concepción, do séc. XVIII. O grande pátio resguarda árvores e plantas tropicais e as arcadas estão cobertas por cativantes murais, um dos quais de Siqueiros (infelizmente inacabado). As exposições temporárias têm entrada gratuita e é permitido o uso de câmaras fotográficas e máquinas de filmar.



Há outras igrejas e muitos edifícios que atraem a nossa atenção quando deambulamos pela cidade, como a Casa Umaran, uma das mais belas de San Miguel, também chamada Casa de los Perros porque uma das varandas está suportada por cães. Actualmente abriga uma loja de decoração e de arte popular, pelo que a entrada é livre. San Miguel de Allende é, de resto, um paraíso para as compras, sobretudo para quem gosta de velharias, arte e artesanato. Há lojas incrivéis por todo o lado, onde se corre o risco de ficar arruinado tal é a quantidade de objectos aliciantes, a preços módicos. Extremamente tentadoras são as lojas de antiguidades, recheadas de peças religiosas, como esculturas em madeira e ex-votos, por exemplo. Para comprar prendas originais e ainda mais baratas, o melhor é ir espreitar o Mercado e o Mercado de Artesanias, que ficam lado a lado.