A viagem à Tailândia, que teve lugar em Junho de 2002, começou por uma tentativa gorada de ir à Rússia. Era aí que queríamos ir (Moscovo, São Petersburgo e o chamado Triângulo Dourado), mas os imbecis da embaixada em Lisboa, recusaram-se a dar-nos os vistos, porque exigiam confirmações de todos os hoteis onde iríamos pernoitar no país. Como se isso fosse possível para viajantes como nós que vão improvisando os itinerários e as estadias ao sabor do momento. Na própria manhã em que isso sucedeu – e em algum outro momento vou ter que contar a odisseia das bichas junto ao consulado da Rússia em Lisboa – nessa própria manhã, dizia eu, decidimos ir à Tailândia e logo tratámos dos bilhetes na agência de viagem. Nessa mesma manhã, comprei dois livros sobre esse país e foi assim que começaram as férias, ainda em Lisboa, connosco na cama a ler os livros e a planear a viagem.
O que se segue são as páginas de um caderno que fui preenchendo nessas três semanas.
Dia 5 de Junho
O primeiro dia na Tailândia é para esquecer. Muitas horas de voo e um cansaço muito grande! A única coisa boa foi o jantar num restaurante perto do hotel que vinha aconselhado no Lonely Planet.
Dia 6
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Viajar até um país desconhecido é a única forma que conheço de voltar a olhar o mundo como se fosse a primeira vez. É como um regresso à infância. Mal cheguei ao aeroporto, comecei a ver coisas que nunca tinha visto. Cores, cheiros, rostos...
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Na estação de camionetas em Banguecoque, à quel nos dirigimos para viajar até Kho Chang, há 33 guichets para venda de bilhetes, todos ocupados por mulheres que se disputam furiosamente os clientes. Devem ser pagas à comissão, ou têm objectivos de vendas para cumprir, não sei, o que é certo é que nos chamam, todas ao mesmo tempo, com o braço estendido fora das janelinhas, com grandes acenos como se pudessem vender melhor e mais barato do que as concorrentes do lado. O que não é obviamente verdade, até porque, aparentemente, todas têm acesso ao mesmo sistema informático, onde verificaram horários e preços.
Seja como for, pareceu-me vão tentar entendê-las, pois há a maior dificuldade em comunicar. A maioria dos tailandeses com quem tivemos que conversar (no tuque-tuque, no táxi, no restaurante) falam um inglês aproximativo e rudimentar. O taxista que apanhámos para o terminal dos autocarros só sabia dizer «the taxi is good, the taxi is good», e repetiu-o o tempo todo que durou a viagem. Como o obrigámos a vir com o taximetro ligado, e não com um preço combinado previamente, como ele pretendia, nem saiu do carro para nos abrir a bagageira e retirar as mochilas. Para me vingar, também não lhe fechei a mala do carro, obrigando-o finalmente a sair para o fazer ele próprio.
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Chegámos a Ko Chang (uma ilha que ainda não atrai muitos turistas, segundo o Lonely Planet) já à noite. Foram cinco horas de camioneta até Trat (400 km) e depois mais 15 minutos numa carrinha aberta até ao porto, onde tivemos de esperar uma hora pelo barco. Já na ilha, em Tha Dan Kao, apanhámos outra carrinha de caixa aberta (espécie de táxi colectivo) que nos trouxe, com muitos outros passageiros, até Hat Sai Khao, onde fica o White Sand Beach Resort que, segundo os nossos guias (Lonely Planet e Guide du Routad) é o que oferece melhor relação qualidade-preço. Revelou-se, afinal, que o nosso Resort é o último da praia, pelo que tivemos de caminhar uma boa meia-hora pela areia numa escuridão quase total. A certa altura, pensámos mesmo em voltar para trás, mas ainda bem que persistimos. O bungalow de madeira é lindo e fica a escassos metros da água, num local paradisíaco, isolado. Custa apenas 200 bats, ou seja mil escudos por noite.
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Pormenores em que reparei ao longo da viagem:
As inúmeras escolas
Os hospitais
As estradas excelentes
A fruta. Camiões e camiões de fruta exótica, que nunca tinha visto, mas com ar apetitoso.
A floresta tropical, densíssima
Os bonecos nas bombas de gasolina: um manda entrar e o outro, à saída, agradece à boa maneira tailandesa, inclinando a cabeça com as mãos postas como para rezar
Os altares por todo o lado, de todas as cores possíveis
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Na camioneta, serviram uma coca-cola gelada em cada paragem. E no princípio da viagem um bolo, meio-queque, meio-mashmellow. No fim, um toalhete refrescante.
Dia 7
O vento provoca o mar que provoca a praia, numa fúria linda de se ver. Uma praia praticamente só para nós e uns patos que por ali andam em liberdade e que dão vontade de rir. Nas nossas costas, uma verdadeira muralha de verdura. A floresta tropical à tão densa, que não nos atreveríamos nunca a explorá-la.
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A ventoínha toda a noite.
A brisa.
O mosquiteiro com pensos, a tapar os buracos e os rasgões.
A barata, ou baratas que não consigo matar.
As formigas gigantes, castanhas.
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As fotografias que ontem não consegui fazer:
Um altar em cada esquina
As fábricas de altares
As saídas das escolas
Os camiões coloridos
Os desenhos de alguns camiões
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Depois de uma tarde magnífica na praia, às seis horas fomos ver o jogo Inglaterra-Argentina num bar da praia, onde conhecemos o Martin e a Hillary. Ele londrino de gema, ela australiana a viver em Londres. Acabámos por jantar com eles e ir beber um copo num pub muito psicadélico. Há dezenas de bares e restaurantes e todos têm ecrãs gigantes de televisão. A maioria propõe filmes a horas certas. Muitos turistas escolhem o bar, em função do filme que querem ver.
Dia 9
Situada a 8 km da costa, com 30 km de comprimento e 8 de largura, Kho Chang, a Ilha do Elefante (ou Ilha-Elefante?) é a segunda maior da Tailândia. Está quase totalmente coberta por floresta virgem, cerradíssima, com cascatas idílicas (como rezam os prospectos). As praias são magníficas.
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Tentei alugar uma mota para irmos dar um passeio pela ilha, mas caí várias vezes e desisti antes que me matasse. A Raquel riu a bandeiras despregadas. E eu fiquei furioso comigo mesmo por ser tão nabo.
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Ontem, quando voltámos ao nosso quarto, o «nosso» gatinho (um gato selvagem que se afeiçou logo a nós) estava à nossa espera e entrou connosco na cabana. Em boa hora o fez. Viu, antes de nós, uma cobra aos pés da cama e atacou-a imediatamente. Fui ajudá-lo, armado com uma vassoura, e conseguimos expulsar a cobra de casa. A Raquel ainda não estava refeita do susto, quando descobriu uma barata enorme. Tive a maior dificuldade em convencê-la a dormir no bungalow.
Mais tarde
Ayutthaya, depois de uma viagem que parecia nunca mais acabar, tanto mais que tivemos de nos levantar de madrugada para apanhar o barco em Kho Chang.
Jantámos no Malakov, um restaurante todo de madeira, arquitectonicamente lindo, com empregados muito jovens e simpáticos. Também na rua senti várias manifestações de simpatia: muitos sorrisos e alguns acenos discretos.
O hotel custa 500 bats (dois contos e quinhentos). O jantar custou-nos 200 bats e o comboio de Banguecoque para aqui (duas horas de viagem) 15 bats (75 escudos!). Uma pessoa aqui sente-se rica.
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Ayutthaya foi capital do país entre 1350 e 1767. Infelizmente, os invasores birmaneses destruiram tudo o que havia para destruir. Mesmo assim, as ruínas são imponentes e vale a pena passear no meio delas. É o caso do Wat Phra Sanphet, o primeiro monumento que visitámos.
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Aprendi há muito a não procurar imagens, mas a deixá-las vir até mim. É preciso estar muito atento. Vejo melhor o mundo desde que sou fotógrafo.
Dia 10
Fomos fazer uma viagem de barco pelos canais, mas choveu o tempo todo. Mesmo assim, valeu a pena. De resto visitámos mais cinco Wats, entre os quais o Mahathat, que tem o célebre rosto de um buda incrustado nas raízes de uma árvore (a foto aparece invariavelmente em todos os guias da Tailândia).
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A propósito do passeio de barco, vale a pena contar a história da rainha Sunada, a favorita do rei Rama V, que se afogou no rio porque o barco virou e os remadores nada puderam fazer para a jaudar. A lei proíbia-os de tocar membros da família real e, se tivessem tentado agarrar a rainha, teriam sido executados.
Dia 11
Ontem à noite, durante uma batalha campal contra duas lagartixas que impediam a Raquel de ir à casa de banho, parti um espelho. Nada que me tirasse o sono, no entanto, já que dormi, finalmente, que nem um justo.
Esta manhã, tal como planeado, alugámos duas bicicletas aqui mesmo no Hotel para ir dar a volta à ilha. Durante o passeio, tirei três rolos de fotografias: algumas crianças, alguns budas, paisagens e gente na rua. Almoçámos numa esplanada à beira-rio (muito bem) e, no final, a empregada trouxe-nos, com a conta, um desenho que nos representava, a mim e à Raquel, à mesa. Um desenho a lápis bastante conseguido, feito por uma empregada muito jovem, quase uma adolescente, a quem ofereci uma caneta, porque era a única coisa que lhe podia dar na altura, para além de uma generosa gorjeta.
Dia 12
No comboio sentou-se ao nosso lado um jovem tailandês que acabou por meter conversa connosco. Tem um bar em Banguecoque, ou trabalha num bar, não percebi bem. Com a sua ajuda, o velhote que vinha ao meu lado a tentar comunicar comigo, conseguiu finalmente perceber de onde vínhamos e para onde vamos, há quanto tempo estamos na Tailândia e quanto tempo mais pensamos ficar.Quando soube que nos dirigíamos para Kamphaeng Phet, sugeriu que saíssemos em Nakhon Sarvan e aí apanhássemos um autocarro. Revelou-se uma opção válida, embora o autocarro estivesse a cair de podre, com os assentos demasiados reclinados e impossíveis de endireitar. Aliás, tivemos um furo a meio do caminho e tivemos todos de sair do veículo, no meio do calor tórrido, para mudarem o pneu.
Enfim, mais uma viagem esgotante (cinco horas de comboio, mais duas e meia de autocarro).
Já em Kamphaeng Phet ainda tivemos de apanhar um táxi colectivo até ao Phet Hotel. No taxi vi um homem com uma moeda no ouvido, bem enfiada lá dentro. Que pena não ter podido tirar-lhe uma fotografia ou perguntar-lhe porque usava aquela moeda assim.
Junto do hotel estava uma mulher a vender uns fritos com ar delicioso. Quando percebeu o meu interesse, deu-me um a provar e eram simplesmente maravilhosos: uma espécie de mini-fartura, menos enjoativa. Comprámos um pacotinho e, mais tarde, quando regressámos ao hotel do nosso passeio, outro.
Enquanto passeávamos, passámos por um templo onde fotografei jovens monges que varriam o pátio. Todos com o cabelo rapadinho e túnicas cor de laranja, muito fotogénicas na verdade. Há monges muito jovens por todo o lado. Não deixa de ser espantoso.
Numa esplanada onde parámos para beber coca-cola com gelo, um outro sujeito meteu conversa connosco. Era baixinho, calvo e anafado e perguntou num inglês péssimo: «Posso sentar-me e conversar um pouco convosco?».
Fez-nos imensas perguntas e ensinou uns truques de magia à Raquel, explicando-nos que tinha sido pugilista durante vários anos e era agora professor de ginástica numa escola a seis quilómetros dali. Fiquei com vontade de conhecer melhor a sua história, mas, de repente, desculpou-se, afirmou que tinha de voltar para junto dos amigos, e foi-se embora, com muitas vénias. Todos dos dias nos têm acontecido coisas assim tão espantosas, tão inexplicáveis. Balanço entre o desejo de entender tudo e o encanto de não perceber nada.
Dia 13
Toda a manhã a ver templos. Andámos quilómetros para fotografar os 68 meio-elefantes do Wat Chang Rob, o buda de pé e outras maravilhas que fotografámos abundantemente. Pelo caminho vimos míudos a vender pássaros em gaiolas minúsculas e homens a pescar no meio do lodo, enterrados quase até ao pescoço.
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À tarde, o Shopping Center revelou-se uma desilusão: um imenso barracão decadente, cheio de tralha, com meia-dúzia de empregadas sem nada para fazer. Uma delas estava mesmo a dormir em cima de um balcão cheio de soutiens (mais uma foto engraçada que não fiz).
Ainda tivemos tempo de visitar um outro mosteiro, de que esqueci o nome, mas muito bonito, com várias pinturas a descrever episódios da vida de Siddharta.
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No mercado perto do Hotel, uma banca propunha um cão morto e outra um enorme lagarto esquartejado, para além de muitas rãs e também escaravelhos.
Dia 14
A viagem para Shukotai durou apenas uma hora. O nosso hotel é constituído por pequenos bungalows de madeira, parecidos com os de Kho Chang. À guisa de cama, um grande colchão no chão, com direito a mosquiteiro. Na casa de banho, as invariáveis lagartixas e, como o nossa cabana está no meio de um jardim luxuriante, ouvem-se todo o dia e toda a noite, como se estivessem dentro de casa, sapos e outros animais que não consigo identificar. Por 200 bats não se pode exigir mais.
Uma das empregadas fala muito bem inglês (o que é raríssimo aqui) e deu-nos dicas úteis. Como a de visitar um templo a sete quilómteros daqui, cheio de esculturas recriando cenas da mitologia local. Creio que ela lhe chamou «Templo dos Sonhos». Por coincidência, o jantar foi num restaurante chamado Dream Café.
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Segundo um dos meus guias, Sukhothai quer dizer «Crepúsculo da Felicidade», numa alusão a uma era mítica, sem dúvida. Sukhothai foi a primeira capital da Tailândia e possui um Parque Histórico interessantíssimo (que vamos visitar amanhã, antes de partir para Pitsannulok, a caminho de Chinag Mai, penúltima etapa da viagem).
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Uma das coisas em que nenhum turista de visita à Tailândia pode deixar de reparar é na quantidade de monges jovens. Agora sei porquê. A maioria destes monges é ordenada apenas por um curto período de tempo. Na realidade, quase todos os jovens tailandeses passam por isto, para «ganharem "prestígio" para os seus pais e avançarem o seu próprio desenvolvimento espiritual». Um dos rapazes com quem falei afirma: «Fiz quatro anos de sacerdócio: um para o meu pai, outro para a minha mãe, outro para a minha irmã e outro para mim». Adquiriu «prestígio» que se farta e agora é guia turístico.
Segundo um livro que li, existem actualmente cerca de 250 mil monges budistas na Tailândia, que residem em cerca de 30 mil templos. Mas também há aqui hindus, muçulmanos e católicos.
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Descobri dois frutos deliciosos: um chama-se rambutã, o outro, durian. E duas cervejas bem agradáveis: Singha e Chang. Como na canção de Marco Paulo, «não sei de qual gosto mais».
Dia 15
De manhã, fomos deixar as mochilas na «bus station» e fomos até ao Historical Park onde alugámos bicicletas. Bem merdosas, por sinal. A minha tinha o selim tão rijo que ainda sinto dores no rabo.
Para o fim de visita, caiu uma daquelas chuvas torrenciais que chegam sem se fazer anunciar. Em cinco minutos (o tempo que levámos a chegar a um abrigo) ficámos completamente encharcados.
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A Unesco subvencionou o arranjo deste Parque Histórico que cobre uma área de 70 km2, com relvados e pequenos lagos ornamentais. Lá dentro encontram-se pelo menos 20 grandes monumentos espalhados pela floresta. O maior deles é o Wat Mahathat, um templo magnífico dominado por um «chedi» em forma de flor de lotus. A base está decorada com figuras que retratam – segundo parece – discípulos de Buda.
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Em Pitsanulok – onde se encontra o Wat Phra Sri Ratana Mahathat, que o Lonely Planet assegura tratar-se de um monumento «fascinante, a não perder – não ficámos no hotel previsto logo ao lado da Estação (era uma espelunca infecta), mas num outro mais longe que custa 330 bats, com pequeno-almoço incluído. Junto ao rio, deparámos com um espectáculo inesperado e divertido: uma aula de aeróbica em plena rua, participada por largas centenas de pessoas de todas as idades. Mais tarde, o nosso passeio ao longo do rio Nan levou-nos até um restaurante flutuante – também recomendado pelo Lonely Planet – onde comemos muito bem. Estoirados de tanto andar, decidimos ir para a cama cedo, até porque a noite passada quase não consegui dormir por causa de uma bulha entre cães e gatos que toda a noite ladraram, ganiram e miaram, num chinfrim insuportável.
Domingo, 16
Uma velha de cigarro ao canto da boca, com um chapéu esquisitíssimo, puxa um búfalo que a segue relutantemente.
Via-a pela janela do comboio, a caminho de Chiang Mai (onde chegaremos lá para as dez da noite) e voltei a pensar, pela enésima vez nesta viagem: «As melhores fotos são as que não tiramos».
Em vez do prometido ar condicionado, o comboio tem muitas ventoínhas no tecto. Refresca um pouco, mas não é a mesma coisa. No entanto, é bem mais agradável do que o autocarro e, para nossa grande surpresa, serviram-nos almoço e lanche. Uma hospedeira, como nos aviões, zela pelo nosso bem estar. E tudo isto por 1500 paus.
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Se um dia fizer um filme que se passe na Tailândia, este comboio tem que entrar.
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Pela janela do comboio, acabo de ver um arbustro com a forma de um cão a saltar. O Eduardo Mãos-de-tesoura passou por aqui.
Mais tarde
Chiang Mai, finalmente! Acabámos por optar por um hotel mesmo à entrada da «Old City», no «Main Square». Por ser domingo, a rua principal estava vedada ao trânsito e repleta de feirantes. Um verdadeiro mercado nocturno alternativo, muito colorido e divertido, com alguns artistas de circo a animar os transeuntes. Um belíssimo comité de recepção e uma agradável surpresa. O quarto, após negociação, ficou por 400 bats. Tem água quente, duche, ar condionado e até TV por cabo e frigirífico.
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Situada a cerca de 700 km da capital, Chiang Mai é, sem dúvida, uma das principais razões para vir à Tailândia. Todas as pessoas que conheço que já vieram a este país assim o afirmam. A curiosidade é grande e as primeiras impressões confirmam que estamos, de facto, numa cidade muito interessante. Na rua são já visíveis alguns nativos de minorias étnicas (as suas feições não mentem) que aqui vêm vender o seu artesanato, vestidos com vestes tradicionais. De resto, há aqui muito mais estrangeiros do que em Pitsanulok ou Sukhothai.
Dia 17
Primeiro dia em Chiang Mae (ou Mai, tanto faz) e já uma orgia de compras. De manhã, alugámos bicicletas (40 bats por dia) e visitámos os três Wats principais: Phra Singh, Chedi Luang e Chiang Man. Pelo caminho não aprei de tirar fotografias, já perdi a conta ao número de rolos que comprei desde que estou neste país. Lembro-me particularmente de uma menina a comer esparguete verde no meio da rua. Tinha uns olhos inesquecíveis.
Depois do almoço, fiz a vontade à Raquel e fomos para o maior Shopping da cidade, onde comprei uns calções e uma camisa muito engraçada para usar fora das calças, de azul forte com peixes brancos desenhados. À noite, já no «night bazar» comprei uma t-shirt com macacos, um buda pequenino e uma marioneta muito gira, para além de umas calças para o Daniel e umas «coçadeiras» para oferecer aos amigos. A Tailândia é o paraíso das compras, não há nada a fazer.
Dia 18
Um dia calmo. De manhã, fomos reservar os bilhetes para Banguecoque. De hoje a três dias, lá vamos nós às 4 da tarde, em couchette de segunda classe com ar condicionado. Depois, negociámos com um taxi uma ida, amanhã, a uma Escola de Elefantes (o verdadeiro nome é Centro de Treino de Jovens Elefantes), a 37 quilómetros daqui. 1200 bats com a promessa de várias paragens pelo caminho para visitarmos outros locais de interesse.
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O resto do dia foi passado a passear de bicicleta por sítios onde ainda não tínhamos ido. Está a decorrer o Campeonato do Mundo de futebol e não há nenhuma loja, nenhuma tenda, mesmo modesta, que não tenha uma televisão, grande ou pequena. Muitos restaurantes têm mesmo várias. Os cozinheiros trabalham a ver televisão, e também os artesãos e os vendedores de rua. É impressionante. À minha frente, por exemplo, está numa casota (mínima) de câmbios uma rapariga que tem uma tv enorme mesmo junto ao ecrã do computador.
Dia 19
Dormi mal, muito mal mesmo. A preocupação de acordar cedo também não ajudou. Uma hora antes do telemóvel tocar (uso-o como despertador) já eu estava de pé. Ainda não eram sete horas. Como sempre, sonhei imenso no pouco tempo que passei pelas brasas. Lembro-me que sonhei com colegas de trabalho e que eu tocava saxofone muito bem (não foi, de resto, a primeira vez que isto aconteceu e sempre que acontece faz-me feliz).
Às oito e meia em ponto, lá estava o nosso guia à porta, prontíssimo e apressado, pois era imperioso, segundo ele, lá chegarmos antes das 9h45 para assistir ao banho dos elefantes.
Efectivamente um espectáculo digno de ser ver.
Seguiu-se um show com os elefantes que são muito engraçados, dóceis e bem ensinnados. Foram treinados para transportar árvores abatidas mas, agora que esse trabalho já não se justifica, pois há máquinas para o fazer, ensinam-nos a tocar música e a pintar, entre outras habilidades. Os turistas compram os quadros pintados pelos elefantes e cachos enormes de bananas para lhes dar.
Antes de nos virmos embora, visitámos a maternidade dos elefantes, onde estava um recém-nascido e o hospital com várias enfermarias, mas onde só estava um animal.
A propósito dos elefantes, não resisto a citar alguns factos. Na Tailândia, o elefante goza de um estatuto de fazer inveja a qualquer trabalhador português: 3 dias de trabalho, três dias de descanço, três meses de férias e reforma aos 60 anos. Frequentam a escola durante seis anos, comem cerca de 200 quilos de verduras por dia e bebem 240 litros de água.
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No caminho de regresso, parámos em vários locais incriveis. O primeiro era à beira da estrada, onde estão dois tronos de dois reis antigos, o de Lampang e o de Lamphun. Antes guerreavam-se, hoje são venerados como deuses, tanto um como o outro. Os seus tronos estão rodeados de milhares de altares oferecidos pelas pessoas que lá vão pedirem sorte no jogo. Se lhes sai um prémio na lotaria, oferecem um altar ou um animal de barro: elefante, cavalo ou tigre, por exemplo. Alguns dos altares são novinhos em folha, mas também os há muito antigos, já meio em ruínas. Todos estão muito bem decorados, com flores e figurinhas de barro e o conjunto é impressionante. De súbito, apareceu uma cobra viva a nossos pés e o nosso guia aconselhou-nos a sair dali.
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Na etapa seguinte, parámos junto a um mercado na floresta. São os aldeões que vivem na selva que ali vêm vender os seus produtos: fruta, legumes, cogumelos, mas também peixes de rio (que se encontram vivos dentro de sacos de plástico). O mais impressionante, para nós europeus, são os vendedores de lagartos gigantes, insectos vários e rãs de todos os tamanhos. Numa das barracas, uma mulher grelhava sapos para vender como petisco.
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Depois do mercado, fomos a Lampang visitar um grande templo, com gravuras magníficas, das mais bonitas que já vi. Numa banca comprámos um Buda que esconde o rosto entre as mãos. Foi a Raquel que mo ofereceu (na véspera eu tinha-lhe oferecido um fio de prata muito bonito). Quando apareci no mercado, váriosvendedores começaram a chamar-me «Zidane», sem dúvida porque sou careca como ele. «Zidade, Zidane», chamavam, com grandes gestos. Provavelmente, aqui, como na Índia, ser careca é sinal de riqueza. Todos queriam que lhes comprasse qualquer coisa.
Finalmente, antes de nos trazer de regresso ao hotel, o taxista ainda nos levou a visitar uma fábrica de lacas, uma de pratas e outra de sedas. Não há como fugir-lhes!
Dia 20
Outro dia em cheio. Logo pela manhã vieram buscar-nos ao hotel numa carrinha onde já estavam uma senhora e a sua filha. Canadianas. A mãe chama-se Jane e a filha Janice. A seguir fomos buscar outras duas passageiras: duas inglesas chamadas Jane e Allie, mais ou menos com a idade da Raquel. E finalmente, junto dum hotel luxuoso, embarcaram um casal britânico, John e Paula. Ele contabilista, ela esteticista e ambos quarentões.
A aventura propriamente dita começou com o «elephant ridding», um percurso acidentado pela floresta nas costas de um elefante enorme. O nosso «condutor de elefantes» destacava-se dos outros por ser o mais louco. Na realidade, parecia completamente chanfrado. Não parou quieto nem por um segundo. Tão depressa estava em cima do elefante connosco, como descia para nos seguir a pé. Falava sozinho, cantava, metia-se com toda a gente. A certa altura, colocou o nosso elefante à frente da coluna e abandonou-nos. Fizemos, assim, uma boa parte do trajecto sem ele.
Tirando um momento, em que o animal sentiu fome e decidiu ir comer uns arbustros fora do trilho, numa zona bastante perigosa, por ser um declive, correu tudo bem. A sensação de estar lá em cima é fabulosa. Uma pessoa sente-se um rei. E tirando as partes em que se descem declives acentuados (o que aconteceu umas três vezes naquela hora), sentimo-nos muito seguros.
Um fotógrafo local tirou-nos uma foto em cima do elefante, que ficou muito gira.
Abandonados os elefantes, fizemos um percurso a pé, sempre a subir, pelo meio de uma floresta densa, até uma aldeia Mohng. Um sítio inenarrável, com muitas bancas de artesanato e uma tasca infecta sem o menor interesse. Em seguida, voltámos pelo mesmo caminho até ao local onde nos esperava a carrinha, que nos levou a uma outra aldeia na montanha onde almoçámos. Uma comida simples, mas agradável: sopa, arroz vegetariano e melancia.
Seguimos, então, para a aldeia Karen, esta sim, uma verdadeira aldeia de montanha, habitada e viva. Mas, até por isso mesmo, senti-me mal: as pessoas estão ali a fazer a sua vida de todos os dias e os turistas passeiam no meio delas como se estivessem num zoo com as suas câmaras indiscretas, sem possibilidade de comunicação, pois ninguém fala inglês. São, de resto, extremamente pobres: as casas são de madeira, muito rudimentares. A aldeia está mergulhada em lama, com porcos pretos e gatos por todo o lado. É de uma desolação tal que não cheguei a fazer fotografias. Tinha vergonha por eles. É como visitar um zoo humano, é degradante para eles e para nós.
A etapa seguinte foram as «water falls» pelas quais toda a gente esperava ansiosamente, devido à promessa de que era possível lá tomar banho. Efectivamente, todos aproveitámos para nos refrescar e fazer fotografar em fato de banho, debaixo da cascata. Apesar do local ser particularmente escorregadio, foi muito divertido, tal como a descida de rio que se seguiu. As jangadas, de bambu, revelaram-se muito diferentes do que eu tinha imaginado. Muito estreitas e compridas, permitiam quatro passageiros cada uma, mais o condutor. A mim coube-me o papel de segundo condutor, pelo que fiquei de pé o tempo todo, com uma vara enorme na mão, encarregue de ajudar a embarcação a manter-se bem no centro do rio. Um rio não muito largo (uns dez metros de largura), mas cheio de rochedos e outros acidentes de percurso. Os sítios onde dava mais gozo passar eram, naturalmente, os «rápidos», onde por duas ou três vezes estive quase a desequilibrar-me. Mas correu tudo bem.
21 e 22
O comboio para Banguecoque leva 14 longas horas. Ainda por cima, nunca apagam a luz durante a noite. Não consegui dormir quase nada. Por causa da luz, do barulho e do frio (o ar condicionado estava mal regulado).
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O dia foi aproveitado para visitar o Grande Palácio (e o Templo do Buda Esmeralda) e os Wats Phra Kei e Arun (do outro lado do canal). Para visitar o Palácio e o respectivo tempo a Raquel teve que alugar camisa, saia comprida e sandálias. Não se pode andar de calções e ombros descobertos. O sacrifício vale a pena, o local é esplenderoso. Do Buda – uma estátua de 75cm de altura feita de jaspe verde – diz-se que é «o emblema da nação», «a alma da Tailândia». E conta-se que foi descoberto em Chiang Rai, em 1436, quando um raio «destruiu um chedi para revelar a estátua escondida no seu interior».
Dia 23
Li que um em cada oito tailandeses vive em Banguecoque e que mais de 80% dos veículos a motor do país estão aqui registados. Os mesmos números indicam que mais de 50% dos residentes são de origem chinesa. Entre os muitos nomes de Banguecoque figura o de Krung Thep, «Cidade dos Anjos». Também há quem lhe chame «Repositório Supremo das Jóias Divinas».
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Todo o dia no incrível e imenso mercado de Chatuchank. Das 11 da manhã às 7 da tarde, um verdadeiro festival de compras. Nunca tinha comprado tanta coisa num só dia: 5 camisas, 3 t-shirts, um par de chinelos e uns ténis All Star. Também para a Raquel foi uma desbunda. Foi de tal ordem que tivemos que comprar um saco enorme para transportar a tralha toda.
Dia 24
Penúltimo dia (nem quero pensar nisso). Fomos ver o Wat Po (Templo do Buda Deitado), Chinatown e fazer um passeio de barco, melhor dizendo de piroga, pelos canais, os famosos «klongs». Depois ainda tivemos tempo para um mergulho na piscina do hotel e ir ao Central Departement Store, fazer umas últimas compras. No regresso doíam-me tanto os pés que decidi ir fazer finalmente uma massagem para experimentar. Uma hora de massagem aos pés, com um massagista (gay?) que tão depressa me aleijava como me fazia rir!
25 e 26
O último dia foi bem aproveitado. Começámos por dar um mergulho na piscina, ainda antes do pequeno almoço e fomos visitar a lindíssima casa do lendário Jim Thompson, uma obra-prima arquitetónica com um jardim belíssimo e uma decoração de extremo bom gosto. Depois fomos ver o Palácio Vimanmek, que se diz ser «a maior mansão do mundo em teca dourada». Tivemos sorte e vimos lá um magnífico espectáculo de dança tailandesa tradicional («lakhon»).
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Paul Valery dizia que os poemas nunca se acabam, apenas se interrompem. O mesmo se poderia dizer de algumas histórias de amor e das maior parte das viagens. Raramente levei uma viagem até ao fim, até ao ponto de dizer “estou farto deste país, quero ir-me embora”. Mas já estou a pensar no próximo destino. A Raquel quer ir para Nova Iorque.
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Textos e fotos de Jorge Lima Alves